[Opinião] Até que ponto artistas devem ser responsabilizados por símbolos do passado?
- Guilherme William
- 30 de jun.
- 3 min de leitura
Beyoncé reacende debates históricos ao vestir camiseta dos Buffalo Soldiers

Ultimamente, a cultura pop tem uma grande capacidade em criar “tribunais” instantâneos nas redes sociais. A figura mais recente que foi levada a julgamento foi Beyoncé, ao postar uma foto em seu Instagram usando uma camiseta que homenageia os Buffalo Soldiers. A artista foi alvo de uma onda de críticas que a acusam de romantizar o genocídio dos povos indígenas norte-americanos. O conflito, no entanto, revela menos sobre a Beyoncé em si e mais sobre uma tendência em julgar o passado, ignorando a dor e as contradições que certos símbolos carregam.
A história por trás da camiseta
Para entender a polêmica, é preciso saber quem foram os Buffalo Soldiers. Esses batalhões do exército americano surgiram logo após o fim da Guerra Civil, em 1866, e eram formados apenas por soldados negros. Para muitos desses homens, que tinham acabado de sair da escravidão, o exército era uma das poucas oportunidades para conseguir um salário simples, direitos e o mínimo de dignidade.
Porém, o mesmo sistema que antes escravizava esses homens, agora lhes dava uma farda e uma arma para lutar na linha de frente da expansão dos EUA contra os povos indígenas e essa é a contradição: um grupo oprimido foi usado como ferramenta para oprimir o outro. Eles não eram os que mandavam em tudo, eram os funcionários. Chamá-los unicamente de vilões é um caminho mais fácil, que apaga a violência do sistema que fez com que o oprimido virasse o opressor.

Toda essa contradição de usar os oprimidos como um tipo de arma não é única dos EUA. O Brasil vivenciou essa mesma história com a figura dos bandeirantes. Embora a imagem mais popular seja a de heróis, suas expedições eram, na verdade, empreitadas violentas para capturar e escravizar os povos nativos.
A linha de frente desses ataques era normalmente composta pelos próprios indígenas de tribos rivais e por negros escravizados. Ou seja, o sistema colonial brasileiro também se baseou na mesma tática: colocar um grupo explorado para lutar contra o outro, mantendo o poder concentrado nas mãos da elite.

Então, qual é o papel do artista?
Tudo isso levanta uma pergunta interessante: um artista precisa dar uma aula de história toda vez que toca em algum assunto difícil? Ou só o fato de trazer o tema de volta à conversa já é uma forma de provocação e um jeito de recontar essa história?
É exatamente esse o trabalho que a Beyoncé vem fazendo em seus projetos mais recentes. É uma jornada dividida em três atos. No primeiro, o álbum Renaissance, ela mergulhou fundo nas raízes negras da dance music e da cultura Ballroom. Agora, no segundo ato, Cowboy Carter, ela faz o mesmo com o universo da música country.
Mas o objetivo nos dois ainda é o mesmo: lembrar as pessoas que esses estilos foram criados e popularizados por artistas negros e, com o tempo, enquanto esses ritmos se tornavam gigantes na cultura de massa, a história de quem realmente os criou foi ficando para trás e esquecida no meio do caminho.
Para além da homenagem
É assim que esse projeto de resgate da Beyoncé se conecta com a polêmica da camiseta postada em seu Instagram. Ao usar a imagem dos Buffalo Soldiers, a intenção dela parece ir um pouco além de uma simples homenagem ao grupo. É uma maneira de também preencher um espaço vazio e um jeito de lembrar que a população negra fez parte de toda a história, inclusive dos momentos mais difíceis.
No fim, o verdadeiro valor de um gesto artístico como este não é dar respostas, mas sim gerar debates e propor as perguntas certas. E a pergunta que fica é: que outras histórias complexas, como a dos Buffalo Soldiers e a dos bandeirantes, nós ainda não escolhemos contar por inteiro?
As opiniões expressas pelos autores pertencem a eles e não refletem necessariamente a opinião do 4Estações.
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