[Opinião] ‘Numanice’: O alto preço de realizar um projeto bem sucedido
- Josias Ribeiro
- 8 de nov. de 2022
- 5 min de leitura

Se aventurar em novos gêneros e formatos é um dos traços, ou risco, determinante para demonstrar a estabilidade e versatilidade de determinado artista. Lady Gaga se aventurando no country, Miley Cyrus no rock, Beyoncé no afrobeat e disco, além de Anitta com projetos voltados a públicos distintos da música pop, como o reggaeton, são exemplos de artistas que, por vontade ou necessidade de mesclar e atrair novos ouvintes, aceitaram tais riscos.
Apesar disso, os exemplos citados acima tem uma característica em comum: as estratégias e o preparo previamente detalhado antes de decidir lançar tais obras musicais. O Numanice, projeto musical de pagode cantado e coordenado pela cantora Ludmilla, tem algumas particularidades que o diferencia dos outros: o entusiasmo, apelo e comoção popular.
Numanice foi lançado em abril de 2020, conduzindo a cantora em um estilo musical nunca antes explorado: o pagode, sucedendo o álbum Hello Mundo (2019), que contém sucessos como Favela Chegou, A Boba Fui Eu e Invocada. O EP, que nasceu de uma promessa feita pela cantora aos fãs caso vencesse o prêmio de “Cantora do Ano” no Prêmio Multishow, após o seu vídeo cantando pagode viralizar, contou com cinco canções, sendo quatro inéditas compostas por ela. O álbum ao vivo foi lançado em janeiro de 2021 e é composto por 14 músicas, além de contar com a participação de Thiaguinho, Bruno Cardoso (Sorriso Maroto) e do grupo Vem pro Sereno.
O sucesso desse primeiro projeto foi tamanho que a cantora passou a investir, cada vez mais, nessa vertente. Quatro meses depois, Ludmilla lançou outra parte desse projeto de pagode, intitulado Lud Session, e contou, na sua primeira versão, com a participação do rapper Xamã, mas foi só com o lançamento da segunda versão com a cantora Gloria Groove que o projeto caiu nas graças do público e ultrapassa 157 milhões de visualizações apenas no YouTube.
Dando sequência, em janeiro de 2022 a cantora lançou o álbum Numanice #2, que se tornou referência do estilo musical nas plataformas digitais devido ao sucesso imediato. Repetindo o feito histórico do seu primeiro projeto de pagode, o álbum, que possui 10 faixas inéditas, estendeu seu próprio recorde como projeto de pagode que conseguiu estrear todas as faixas no Top 200 do Spotify Brasil. Destaque para os singles Maldivas, Insônia e Meu Desapego.
Maldivas foi o primeiro e único single lançado por Ludmilla no projeto Numanice #2, no qual a cantora é a única compositora do hit. Inclusive, é importante ressaltar que a composição é outro ponto forte da artista desde quando despontou na indústria. A canção, que foi escrita totalmente para a esposa Bruna Gonçalves, é o carro chefe quando se fala do disco. Além disso, é importante destacar o impacto que o Big Brother Brasil 22 teve na divulgação da música devido a participação de Bruna no programa.
Insônia, parceria da cantora com Marília Mendonça, é, atualmente, sua música mais popular no Spotify, com mais de 19 milhões de reproduções. A música, que destaca a voz das duas artistas, conta com a composição da cantora e traz uma vertente do pagode mais atual que vem agradando grande parte do público e tem se tornado tendência entre os artistas do gênero.
Por fim, é preciso destacar a penúltima faixa do disco, Meu desapego, que, diferente de Insônia, traz um pagode mais antigo que lembra os tempos em que o ritmo tinha um espaço maior nas paradas do país, como os da banda Sorriso Maroto e Exaltasamba. Além disso, é importante destacar a facilidade de Ludmilla em cantar pagode solo e, ainda assim, conseguir ter êxito nas paradas.
Atualmente, a indústria da música necessita que os artistas produzam mais músicas e cada vez mais rápido para não cair no esquecimento diante a enxurrada de lançamentos feitos diariamente. Isso se torna um perigo para a personalidade dos artistas e a arte, de modo geral, que, com o passar do tempo, perde toda a sua identidade e passa a reproduzir apenas hits genéricos e passageiros que grudam na cabeça das pessoas por um curto período de tempo e logo somem. Investir em novas vertentes e ramos, como o que Ludmilla está fazendo, garante tal abastecimento que a indústria necessita, conquista novos públicos e, ao mesmo tempo, a diferencia dos demais.
Elogiar o projeto Numanice, e aqui falo como um todo, contando os dois álbuns e as vertentes que surgiram desta ideia, não é algo trivial ou bajulação, isso pode ser visto pela grande demanda que o seu show recebe em cada cidade que passa, mesmo com preços acima da margem idealizada pelas pessoas. Ludmilla se tornou um modelo de artista que soube ouvir o público como poucos artistas fazem e, agora, colhe os frutos de tal atrevimento. Sua entrada no pagode foi feita naturalmente, sem grandes pretensões, mas quando viu as oportunidades que surgiram, a cantora soube aproveitar sem perder sua identidade.
Um caso curioso a ser analisado é o fato de a cantora ter lançado em março, dois meses após o Numanice #2, o EP Back To Be, com seis faixas, no qual ela retoma o seu alter ego do início da carreira, MC Beyoncé, mas não teve o destaque ou atenção do público como seus últimos trabalhos no pagode. É preciso ressaltar que o Back To Be é um projeto bem abaixo do esperado pelos fãs, com músicas fracas e sem chance alguma de se tornar hit, deixando claro a produção às pressas do projeto, diferente do que aconteceu com a naturalidade do Numanice.

Desde o início da carreira, Ludmilla enfrentou barreiras do preconceito em todos os nichos que trabalhou, desde o funk ao pagode. Apesar disso, teve a força e capacidade de superar e se tornar, atualmente, a cantora afro latino-americana com os números mais expressivos nas plataformas digitais. Sua existência e resistência, além de necessária, é fundamental para conscientizar e influenciar as novas gerações.
É indiscutível o potencial, força e determinação que Ludmilla possui, vocalmente e midiaticamente, no país. Trabalhos como o Numanice não merecem ou precisam ser comparados para se mostrarem exitosos nas suas propostas. Algo que nasceu a pedido do público e cresceu a ponto de alcançar tantas conquistas e recordes se mostra como um sucesso por si só.
O preço cobrado pela cantora pelo show Numanice, além de ser justo e honesto, consigo e com sua equipe, deixa claro que toda arte bem produzida e executada, seja por artista nacional ou internacional, merece e deve ser valorizada de acordo com seu nível e, convenhamos, o Numanice não só elevou o nível no ramo, como se tornou referência a qualquer artista que deseja se aventurar por caminhos parecidos.
Por fim, é preciso reiterar que Numanice é, sem sombra de dúvidas, o projeto de pagode feminino mais relevante e impactante da era dos streamings digitais.
As opiniões expressas pelos autores pertencem a eles e não refletem necessariamente a opinião do 4Estações.
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