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[Opinião] Ascensão e queda dos álbuns conceituais

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    4Estações
  • 18 de ago.
  • 4 min de leitura

Como um dos formatos mais ambiciosos da indústria musical perdeu espaço em meio a novas formas de consumo


por Lucas Veras e Marcella Belizario


Álbuns indie clássicos ao longo das décadas | Imagem: Reprodução/Indieground
Álbuns indie clássicos ao longo das décadas | Imagem: Reprodução/Indieground

Antigamente, escutar um disco era quase como um ritual sagrado: colocava-se o vinil para tocar e ouvia-se cada palavra cantada, se entregando a uma história contada pelas canções. Entre as décadas de 1950 e 1980, a música viveu seus anos de ouro, marcados pela era dos discos de vinil. Mais do que apenas uma forma de ouvir música, o vinil oferecia um envolvimento profundo entre a arte e o cantor. Havia também algo de especial em tirar o LP da embalagem, admirar o design da capa, posicioná-lo com cuidado no toca-discos e escutar o som inconfundível  da agulha tocando o vinil, um momento sublime entre o ouvinte e a canção. As capas, inclusive, iam muito além da função estética, tornando-se verdadeiras obras de arte e agindo como um complemento à mensagem e ao clima do álbum. 


Durante a cerimônia do Grammy de 1968, o prêmio de Álbum do Ano foi dado, pela primeira vez, a um álbum de rock: Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Além de ser um clássico da música, o álbum tem uma estética que foi vista como inusitada (e um tanto ousada) para a época: o quarteto de Liverpool agora encenava ser uma outra banda completamente diferente e com um som totalmente novo. Estavam surgindo, na música pop ocidental, os álbuns conceituais, um tipo de abordagem na produção musical que marcaria as décadas seguintes.


No cenário internacional, muitos artistas afirmam ser os verdadeiros precursores dos álbuns conceituais, como The Beach Boys, The Who, Frank Zappa etc. Os Beatles podem não ter criado o gênero, mas certamente o elevaram a outro patamar e influenciaram milhares a seguirem o mesmo caminho. Nos anos seguintes, inúmeros artistas iriam produzir seus LPs com foco em vários temas, incluindo direitos civis, sátiras contra a sociedade norte-americana, histórias de ficção científica e, basicamente, qualquer coisa que eles achassem interessante abordar.


No Brasil dos anos 1970, A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado, álbum da lendária banda Os Mutantes, chegava desafiando o cenário musical brasileiro com seus temas pesados e inspirados nos textos de Dante Alighieri. Em 1980, Arrigo Barnabé e sua banda de apoio Sabor de Veneno lançaram o álbum que marcou uma geração de jovens em São Paulo: Clara Crocodilo. Inspirado no caos da capital paulista e seu cenário marginalizado, o álbum rapidamente se tornou um fenômeno cult e “santo graal” da música alternativa brasileira. 


Os álbuns conceituais se tornaram uma parte importantíssima da cultura pop após os anos 60 e deram voz à juventude que agora possuía participação direta na política e arte. Entretanto, é visível como sofreu uma grande queda na popularidade nos tempos atuais e muitas coisas podem ser colocadas como sendo culpadas por isso. 


A maneira como apreciamos a música mudou muito por causa das novas tecnologias. Nos anos 90, os CDs eram os mais populares. Eles ofereciam um som melhor, duravam mais e permitiam pular músicas facilmente, o que era muito prático. No entanto, isso também começou a nos afastar da experiência mais lenta e profunda que tínhamos com os discos de vinil. Mesmo assim, muitos álbuns daquela época ainda eram criados como obras completas, com capas bem feitas, letras impressas e uma estética que lembrava os LPs.


No começo dos anos 2000, tudo mudou de vez com o  surgimento do formato MP3 e os primeiros aparelhos portáteis, como o famoso iPod. A música, que antes era física e em formato de disco, agora cabia no nosso bolso. Com o MP3, dava para baixar milhares de músicas e levá-las para qualquer lugar, o que revolucionou a nossa mobilidade e acesso à música. Mas essa liberdade também trouxe um problema: a experiência musical ficou totalmente fragmentada. Com as músicas espalhadas em núcleos digitais, o álbum começou a perder a sua importância como uma obra de arte completa. O foco passou a ser nas músicas individuais, nos hits do momento e nas faixas ‘’chicletes”. 


Essa mudança se intensificou com o crescimento dos streamings, como Spotify, Deezer, Apple Music e YouTube Music. Agora, nem precisamos mais "ter" a música, basta estar conectado à internet. A lista é infinita, as faixas são descobertas  por algoritmos e as playlists são criadas automaticamente com base no nosso humor, atividade ou no que está em alta. Nesse ambiente, o álbum deixou de ser prioridade, quase ninguém tem tempo ou vontade de ouvir um disco inteiro do começo ao fim. Os algoritmos nos mostram todos os dias músicas, artistas e lançamentos novos, e somos levados a consumir tudo o mais rápido possível. O que resulta em uma experiência musical fragmentada, impaciente e, muitas vezes, superficial.


Nesse contexto, os álbuns, principalmente os conceituais, que exigem tempo, atenção e entrega, se tornaram algo raro. Talvez, no meio de tanto excesso e velocidade, parar para ouvir um álbum do início ao fim seja uma forma de retomar a arte. Mesmo com a queda na popularidade dos álbuns, alguns artistas ainda fazem questão de criar obras completas, que contam histórias, exploram temas e mergulham na música, tentando resgatar o valor de um álbum. 


Contemporâneos como Tyler The Creator, Kendrick Lamar, Radiohead etc, são alguns exemplos de artistas que remaram contra a correnteza da indústria e produziram seus álbuns mais recentes de forma a contar uma história, muitos inclusive obtendo sucesso comercial. Porém, não há como negar que o mercado da música, já bem estabelecido, afoga a maioria dos que tentam criar obras de arte musicais conceituais. Parece até uma batalha perdida, mas nos últimos anos tem se observado um nicho sendo criado ao redor dos poucos álbuns conceituais do século XXI, formando um público para esses artistas.


É difícil fazer esse “exercício de futurologia” e tentar prever o estado dos álbuns conceituais daqui cinco, 10 ou 20 anos, mas certamente não será como no seu auge. Com uma indústria musical bem estabelecida em padrões comerciais, o álbum conceitual está, praticamente, “ultrapassado” e coleções de músicas viciantes e criadas para viralizar em redes sociais mostraram-se, sobretudo na década de 2020, como o modelo de negócio vigente. Porém, como citado anteriormente, hoje observa-se um pequeno, mas com muita voz, público dessa manifestação da arte e que pode (e assim espera-se) apoiar seus artistas que desafiam o mercado, além de dar visibilidade para que os álbuns conceituais não caiam no esquecimento.


As opiniões expressas pelos autores pertencem a eles e não refletem necessariamente a opinião do 4Estações.

 
 
 

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