[Opinião] Por que estamos procurando respostas na música que nossos pais ouviam?
- Guilherme William
- há 1 hora
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Em meio à velocidade dos algoritmos, o interesse crescente pela MPB antiga revela uma busca por profundidade e por um novo tipo de atenção

No meio de uma avalanche de lançamentos feitos para serem consumidos e, às vezes, esquecidos, tem crescido entre os mais jovens o interesse por músicas de outras décadas. A busca pela MPB dos anos 60, 70 e 80 não parece ser só uma curiosidade, mas um deslocamento. E a pergunta que surge a partir disso é: o que ainda ecoa nos versos do Belchior, nos vocais da Elis Regina e nas letras do Chico Buarque que parece faltar na produção musical de hoje?
Talvez a primeira resposta esteja no tempo que essas músicas antigas pedem para quem está ouvindo e no tempo que elas criam a partir disso. Essas melodias se estendem e contam histórias inteiras, complexas e que exigem escuta de verdade, onde cada verso ocupa o espaço que precisa e não busca ser funcional. Em contraste, grande parte das músicas atuais é moldada para entregar tudo nos primeiros segundos e feita para funcionar bem nos algoritmos, mas nem sempre para durar muito tempo.
É justamente essa lógica de eficiência repetitiva das plataformas que acaba provocando a reação contrária nas pessoas, porque o algoritmo não é neutro, ele repete o que você já ouviu, entrega mais do mesmo com pequenas variações e, assim, a escuta vira automática e de maneira limitada. Nesse cenário, parar e ouvir um álbum inteiro do Caetano, sem pular faixa, ou mergulhar na discografia do Milton Nascimento, vira um gesto que já não é mais tão comum, tornando-se um ato de escolha. Isso exige tempo e atenção para não compreender tudo em um primeiro momento. Essas músicas não se explicam logo de cara, porque não se encaixam nos moldes do que está em alta e não foram feitas para viralizar.
Essa busca por sons de outro tempo também revela um cansaço com a velocidade em que vivemos. A vida hoje em dia é um acúmulo de notificações, de mensagens curtas e de estímulos que se atropelam. Tudo é feito para ser rápido, eficiente, imediato. Nesse contexto, a música que vem de outro tempo funciona como uma pausa. Os arranjos são mais complexos e a música, em vez de correr, convida a ficar.
O que essas escolhas revelam, na verdade, é uma mudança na forma como muita gente tem se relacionado com a própria escuta. Quando o consumo deixa de ser passivo e se transforma em busca, a música volta a ocupar um lugar mais central, não como uma trilha de fundo, mas como experiência em si. O ato de escutar passa a ser também um gesto de leitura de contexto e de si mesmo.
Não é só sobre optar pelo passado, mas sobre escutar com uma outra intenção e talvez seja isso que tenha faltado à música contemporânea: não necessariamente a qualidade ou o talento, mas tempo. Tempo para construir uma ideia, tempo para que a canção se sustente fora do algoritmo e tempo para que o ouvinte permaneça.
As opiniões expressas pelos autores pertencem a eles e não refletem necessariamente a opinião do 4Estações.
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