[Opinião] Quem são os latinos na indústria musical?
- Péricles Hortênsio
- 12 de ago. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 25 de out. de 2022
Indicações de artistas que não nasceram na América Latina para categoria do VMA levantam debate
Na última quarta (11) a MTV liberou a lista dos indicados para o Video Music Awards 2021 (VMA), e a categoria Melhor Clipe de Música Latina levantou um debate que, embora seja antigo, ainda tem consequências na indústria da música: afinal, quem são os latinos na indústria musical?
Um dos principais motivos que iniciaram esse debate foi a indicação da música Lo Vas a Oldivar, parceria entre Billie Eilish e Rosalía, isso porque Rosalía nasceu na Espanha e não na América Latina. Logo, internautas começaram a se perguntar o motivo de seu clipe ser indicado em uma categoria de clipes latinos na premiação.
Não é a primeira vez que isso ocorre. No VMA de 2019, Rosalía foi premiada na categoria Melhor Clipe Latino por Con Altura, sua parceria com J. Balvin, assim como também levou a estatueta do Grammy Awards na categoria Melhor Álbum Latino de Rock, Urbano ou Alternativo por seu trabalho El Mal Querer, lançado em 2018. Se não bastasse, ela também foi a artista mais premiada da noite no Grammy Latino de 2019, levando, inclusive, o prêmio de Álbum do Ano, o mais cobiçado da noite.
Afinal, como alguém que não nasceu na América Latina recebe tanto reconhecimento em categorias latinas de premiações?
A principal regra do Grammy Latino para um trabalho ser elegível a concorrer em suas categorias é ser constituído 51% dos idiomas espanhol ou português. Sendo assim, qualquer trabalho que cumpra essa regra pode ser indicado pela academia e ser premiado. Artistas espanhóis já foram indicados e premiados por essa regra desde a criação da premiação, tal como Enrique Iglesias e Alejandro Sanz. Contudo, o debate online sobre a latinidade ser fator decisivo ou não para concorrer, começou após as indicações de Rosalía.
Em entrevista para a Billboard em 2020, Rosalía comentou sobre o assunto. “A música que eu faço é em espanhol, por isso que muitas vezes me englobam como artista latina. O espanhol vem do latim. Mas isso não é o mesmo que ser latino-americana. Muitas vezes, questionam isso. Muitas outras vezes, quando homens têm muito sucesso e são indicados, nunca questionam. Esse debate cai sobre mim e talvez seja porque tenha algo na mesa que precise ser esclarecido”, disse a cantora.
Historicamente, o conceito de “latino” é originário de 500 anos a.C, quando o povo denominado Latini (Latinos) vivia na região onde atualmente é a Itália, e tinham como idioma o Latim, que originou o espanhol, português, italiano, francês e outras línguas.. Mais tarde, esse povo migrou para as áreas onde atualmente são a Espanha, Portugal e França, estabelecendo ali a Europa Latina. O conceito de América Latina foi uma estratégia geopolítica de Napoleão Bonaparte frente ao projeto expansionista dos Estados Unidos em tentar definir a região e conectá-la à Europa Latina. Devido às colonizações, ou melhor, invasões, que ocorreram na América, o continente se tornou uma grande miscigenação de raças. Logo, o conceito latino é uma criação e não uma raça perpetuada.
Contudo, por mais que latino não seja uma raça, se tornou uma forma de identificação, afirmação, orgulho, união e fortalecimento do continente, principalmente frente às formas racistas e preconceituosas que ele é usado por outros povos.
Na indústria da música, mais especificamente em premiações musicais norte-americanas, é problemático definir como latino apenas quem canta em espanhol ou português, uma vez que há uma maior facilidade para pessoas que vivem na Espanha de adentrar no mercado musical estadunidense, do que para quem vive em países da América Latina.
Ao incluir artistas como Rosalía em categorias latinas, não sobra muito espaço para cantores que realmente são originários do continente e que também fazem sucesso. Nas indicações do VMA deste ano, por exemplo, Kali Uchis (colombiana) ficou de fora, mesmo após sua música telepatía ter sido a música em espanhol de maior sucesso de 2021, atingindo a posição #25 da Billboard Hot 100, principal parada musical dos Estados Unidos.
Em seu twitter, Kali Uchis declarou: “Ser deixada de fora da lista de indicados é um tanto doloroso depois de um ‘sucesso’ inegável que não vou mentir, mas estou grata a Deus por realmente vencermos as adversidades o ano todo. Eu realmente amo todos que me amam, obrigado por sempre apoiarem a minha arte.”
Cabe à indústria musical estadunidense e quem a acompanha, reconhecer determinados privilégios que recaem sobre alguns artistas, ao mesmo tempo em que desfavorecem outros. Há espaço para todos no mercado e um reconhecimento igualitário e justo para eles é o mínimo que deveria acontecer.
As opiniões expressas pelos autores pertencem a eles e não refletem necessariamente a opinião do 4Estações.
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