Os adoradores da música popular brasileira
- Betina Scaramussa
- 30 de nov. de 2018
- 10 min de leitura
Atualizado: 29 de jul. de 2019
De geração em geração, a MPB atrai fãs das mais diversas idades e consegue se reinventar com o passar dos anos
A música abrange vários aspectos para acontecer, dentre eles: artista, produtores, empresários, músicos. Porém, para atingir o sucesso é necessário a conquista do público. O intuito de cada cantor é alcançado quando tem ouvintes e apreciadores de suas músicas. Na música popular brasileira, os fãs presenciaram as várias mudanças desse estilo. Desde da sua criação, o estilo musical conquistou os mais diversos públicos fazendo com que esse gênero tenha perpetuado na sociedade brasileira.
No atual cenário musical, em que a predominância do Sertanejo e a do Funk vêm dominando o mercado, o MPB continua tendo a sua relevância. De acordo com dados da última pesquisa realizada pelo Ibope, cerca de 47% das músicas pedidas nas rádios brasileiras eram de música popular. A pesquisa que leva o nome de Tribos Musicais constatou que esse gênero ocupa o 2° lugar das canções mais pedidas pelos ouvintes. Também, foi traçado os perfis das pessoas que mais escutavam. As classes A e B, de renda mais alta e maior posses de bens, são as que mais ouvem MPB e Rock.
Os admiradores de MPB não deixam de gostar das canções que ultrapassam gerações. Um exemplo disso é o retorno da turnê dos Tribalistas, composto por Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte. Segundo dados do Spotify, serviço de streaming, ao anunciar os shows que realizariam, as músicas do grupo passaram a ter um maior engajamento e entrando para as 100 canções mais tocadas do país.
No ano passado, os topos musicais tiveram uma surpresa. O cantor Tiago Iorc e a dupla AnaVitória alteraram o topo das paradas cantando MPB. As novas versões desse estilo vêm crescendo com a alternativa de conquistar o público por meio das músicas que antes estavam presas a grandes clássicos. Outros nomes que vêm se destacando e ganhando cada vez mais visibilidade são Pedro Salomão, Pedro Tomé e Chell Alberti.
De tempos em tempos
O MPB passou por diversas fases, desde do início com o Lundu, Modinha, Choro, época das rádios e dos festivais. Naquela época, as famílias se reuniam em volta dos rádios e dos discos para escutarem as canções que ficaram marcadas na história brasileira. Foi assim, que apreciador Rogério Tadeu Curtt, 50 anos, passou a escutar os discos de Chico Buarque, Elis Regina, Geraldo Vandré, Sérgio Sampaio e se interessou por esse universo. O posicionamento crítico das letras e a diversidade temática são os aspectos que mais lhe chamam a atenção nas canções. Questionado sobre a importância desse estilo para a formação histórica musical e social brasileira, Rogério afirma que nas décadas de 60 a 80, as músicas foram de extrema relevância política e social.
—Foi um movimento de resistência e perseverança, engajado e corajoso. Alguns exemplos são as músicas: Construção, de Chico Buarque, Cálice, de Gilberto Gil e Chico Buarque, O bêbado a Equilibrista, de João Bosco e Aldir Blanc, entre tantas outras.
Um dos grandes pontos das obras de MPB é que elas puderam retratar por meio de suas melodias, letras e ritmos, expressões e emoções do que era vivido no meio social. Um exemplo disso foram as canções compostas na Ditadura Militar, que durou de 1964 a 1985. Como ato de resistência ao regime, os cantores utilizavam a música como protesto.
A forma em que esse gênero aborda as situações emocionais e as questões políticas são fatores ressaltados pela estudante de Artes Visuais, Vitória Marra Brasileira, 19 anos. Ela conta que a eficiência que as músicas possuem em reproduzir as emoções humanas de um jeito brasileiro é o aspecto que mais aprecia. A estudante cita os toques tropicais, mistura entre guitarra e pandeiro e as composições, como exemplos que torna a MPB um estilo único.
Sobre o atual cenário da música popular, Vitória discorre que para ela, a MPB não perdeu espaço, e sim, que atualmente existe vários ritmos diferentes, porque existe públicos distintos.
—Muitas mudanças acontecem de uma geração para outra. A música se reinventa. A MPB não é hoje como ela nasceu, ela está sendo feita de jeitos diversos pois muita coisa mudou desde então. E pessoalmente, isso é muito bacana, porque a música não fica parada no tempo. A Arte é viva.
Nas lembranças da estudante, a música Aquarela, escrita por Vinicius de Moraes, Toquinho, Guido Morra e Maurizio Fabrizio, ficou marcada na sua vida. A canção propiciou que ela recordasse o tempo de escola. As apresentações e as primeiras professoras fazem parte de sua memória quando escuta a composição.
O amor pela MPB
A grande paixão pela música popular faz com que os fãs realizem a perpetuação dela. Uma forma disso é a rádio virtual que o jornalista araxaense Gino Carneiro, 53 anos, criou para disponibilizar as músicas populares. Ele iniciou o projeto, pois teve acesso a um grande acervo musical, o intuito é tornar isso aberto a todos.
—Fui editor de cultura do jornal Correio de Uberlândia por quatro anos. Neste período, tive acesso, por parte das gravadoras, assessorias de imprensa e artistas, a um vasto acervo musical. É uma espécie de dever tornar esse acervo público. Daí veio a ideia de montar a rádio web. Joguei esse conteúdo sonoro e compartilhei. Essa é a ideia. É uma entre muitas rádios digitais que acreditam na MPB.
Gino começou a escutar as músicas ainda quando era criança. Ele conta que sempre se interessou pela cultura em geral. As obras da década de 50 a 70 despertavam a curiosidade em conhecer mais sobre os artistas. Porém, o jornalista diz que a poesia e o lirismo da MPB lhe aproximou mais desse estilo. Para o jornalista, grandes nomes do gênero são Dorival Caymmi, Luiz Gonzaga, Lupicínio Rodrigues, Aracy de Almeida, Orlando Silva. Acrescenta ainda, que o MPB deve a movimentos artísticos que possibilitaram o desenvolvimento musical, como a Tropicália, o Clube da Esquina, à Vanguarda Paulista, à Bossa Nova, ao Pessoal do Ceará.
A reformulação da música brasileira leva Gino a nunca deixa-lá e se aproximar dela cada vez mais.
—As possibilidades, as pontes e as convergências, a capacidade de renovação, a poética que transcende e, ao mesmo tempo, considera. A inventividade e a reinvenção, a disposição natural de ser porta-voz de um povo, de uma cultura, de uma maneira de enxergar, entender e mostrar o nosso mundo, tão brasileiramente particular e, ao mesmo tempo, tão ricamente diverso.
O grande consumidor de MPB ainda relata sobre a importância e as dificuldades que o estilo vêm sofrendo. Gino declara que a música popular é o produto mais reconhecido internacionalmente.
—Ela é um registro histórico da nossa gente. Converge momentos da trajetória do país com possibilidades sonoras e poéticas. Revela um pouco do nosso humor, das nossas mazelas, das esperanças, potencialidades e muito da construção de uma identidade cultural. Mas, não é mais importante que as outras manifestações culturais, como o cinema, a literatura, a poesia e a arquitetura.
Sobre as novas possibilidades e o futuro da música, o admirador revela que os jovens são a esperança em continuar com as descobertas e reinvenções que a MPB oferece.
—Acredito que a curiosidade que existe em parte da juventude redescobre a MPB recorrentemente e esse interesse forja novos sujeitos e agentes dessa manifestação cultural, com olhares para frente e respeito ao passado sonoro.
‘‘Minha história com a MPB é a de admiração, respeito, pesquisador e, especialmente, crítico. Mas não aqueles críticos técnicos, cheios de jargões e conhecimentos aprofundados. Meu olhar é de consumidor popular de música. Minha preocupação sempre foi a de enxergar, sentir, entender e dividir o que as pessoas comuns - como eu -, vivem e pretendem com a música. E disso espero não arredar o pé nunca’’ - Gino
O colecionador de histórias
A música popular assumiu, em alguns períodos, características de movimentos políticos e sociais. Suas canções denunciavam, principalmente no período ditatorial, a repressão e a violência vivida pela população. A MPB tinha o papel de denunciar todas as mazelas que ocorriam. Os artistas faziam isso por meio das letras, em que as mensagens estavam subentendidas. Um exemplo são ‘‘Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores’’, composta por Geraldo Vandré e ‘‘É Proibido Proibir’’ de Caetano Veloso.
O ativismo da MPB chama a atenção em diversos momentos. Uma forma de perceber isso são os discos que eram lançados nas décadas passadas. No livro 1973 – O ano que reinventou a MPB, escrito por Célio Alburqueque, traz informações e riquezas culturais que exemplificam a resistência da música perante ao regime. Alguns artistas ficaram eternizados pelos álbuns produzidos nesse período, João Gilberto, Odair José, Tom Jobim e Tom Zé, são alguns exemplos. Os festivais também foram marcas registradas, Gonzaguinha, Fagner, Sérgio Sampaio e Raul Seixas começaram a se destacar pelas suas apresentações.
O portal Rolling Stone Brasil divulgou uma pesquisa sobre os melhores discos nacionais. Ela convocou estudiosos, produtores e jornalistas para listarem os álbuns marcantes para a música brasileira, e alguns deles foram produzidos no período da Ditadura. Os critérios avaliados foram potencial artístico e relevância histórica. Os dez primeiros da lista foram: Acabou Chorare de Novos Baianos, Tropicalia ou Panis et Circencis, Construção de Chico Buarque, Chega de Saudade de João Gilberto, Secos e Molhados composto por João Ricardo, Ney Matogrosso e Gérson Conrad, A Tábua de Esmeralda de Jorge Ben, Clube da Esquina de Milton Nascimento & Lô Borges, Cartola, Os Mutantes e Transa de Caetano Veloso.
O professor de Filosofia da Universidade Federal de Uberlândia, Luiz Carlos Santos da Silva, de 43 anos, é colecionador de discos. Tudo começou na infância, em que ele escutava as músicas por meio das rádios e dos discos. Anos mais tarde, quando chegou na faculdade, percebeu que nesse ambiente acontecia um resgate a cultura musical popular.
O colecionador discorre que a experiência em se ouvir um disco é única, e que as mídias sociais hoje têm a facilidade em se levar a música para diversos lugares. Mas, o disco, é uma relação mecânica com a canção. ‘‘Você escuta a reprodução como ela foi fielmente produzida. É uma experiência muito boa, principalmente para quem gosta de MPB.’’conta Luiz.
Perguntado sobre o que faz ele se tornar fã de MPB, o professor responde que a versatilidade dos estilos é o que contribui para a sua admiração.
—Eu morei em muitos lugares do Brasil, comprei discos nas mais diferentes cidades. Cada lugar que eu cheguei, percebi uma música regional, que em geral, é uma interpretação de um outro estilo. Mesmo nas variações e experimentações, a música popular brasileira se reinventa.
O movimento Tropicalista também é lembrado por Luiz. Ele conta que esse grupo trouxe outros elementos de Vanguarda para a época, por exemplo a questão cênica e a referência a outros estilos culturais musicais. Paulinho da Viola e o rock nacional também são recordados como importantes referências.
‘’Por meio dos vinis e discos, tenho uma experiência indissolúvel com a história do país.’’ - conta Luiz
No atual cenário da música popular, o professor conta que é necessário compreender o que foi o movimento do MPB. Na maioria das vezes, o público não entendia o que os artistas traziam, por causa dos elementos de vanguarda.
—Hoje têm a predominância de um estilo sendo lançado como algo novo, como o Funk e o Sertanejo. Do ponto de vista musical, isso não é novo. Esses autores que cantavam MPB também passavam por esses estilos, mas como era um projeto de experimentação, seguiam a diante, trazendo algo recente. Hoje em dia, a maioria dos artistas estão vivos como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Rita Lee, são músicas que as gerações atuaias não conhecem. O primeiro passo é resgatar essa memória e não deixa-lá se perder. A gente começa a compartilhar com os colegas, e eles começarão a perceber que o que está novo é na verdade algo velho.
Os cantores e admiradores
Na vida de qualquer artista, o fã possui um papel fundamental. No MPB, não seria diferente. São eles que incentivam a carreira e possibilitam o crescimento de cada cantor. A divulgação realizada pelos os ouvintes representam a valorização que o público possui com cada artista visto nos palcos. Em diversas décadas, os fãs puderam presenciar os cantores consagrados e aqueles que iniciam o seu trabalho. A possibilidade de descoberta instigam os apreciadores a sempre seguirem os rumos desse gênero no país. Assim, os fãs das músicas nacionais relembram os grandes clássicos e também escutam os novos artistas.
A cantora Mariane Simões, 45 anos, é um novo nome da MPB. Ela iniciou sua carreira logo na infância, aos 9 anos de idade, e frequentava as aulas de violão. Começou a se interessar pela música nacional, devido às influências familiares. Até hoje, a família se reúne para ouvir as composições brasileiras. Mari, como é conhecida pelo público, declara que suas referências são Chico Buarque, Tom Jobim, Maria Betânia, Vinicíus de Moraes, Toquinho, Beth Carvalho. Em sua adolescência, o Samba e os Ritmos Nordestinos chamaram a atenção e, desde então, fazem parte de sua trajetória musical.

O assunto da desvalorização da música nacional é discutido pela cantora.
—Atualmente, tem-se o fortalecimento do Sertanejo e do Funk. Esses estilos estão com uma força popular muito grande e acredito que é mais fácil, talvez seja por isso, que a música popular não esteja em grande evidência. A MPB é muito rica em conteúdo e qualidade, nunca vai deixar de existir, porém são poucos cantores que ainda trazem essas músicas nas bagagens. A música popular exige bastante dedicação.
De acordo com a artista, o encanto pela música é percebido nos aspectos que envolvem a possibilidade de tocar e despertar as emoções no público. Em seu repertório, Mari resgata canções que as pessoas se encantam. Em sua vida, algumas canções deixaram marcas.
—‘‘Ai Que Saudade D'ocê’’, composta por Vital Farias, é um exemplo. Na minha infância, eu ia muito para Catanduva passar as minhas férias. Tenho amigos e familiares. por ser um local onde eu associava lazer e alegria, toda vez que vinha embora eu já chorava e ficava com saudade, fiz uma tatuagem em homenagem a essa música. A outra canção que é importante na minha vida é Tarde Em Itapuã, escrita por Vinicíus de Moraes e musicada por Toquinho, ficava imaginando como era passar a tarde na cidade que é descrito na música. Quando fiz 31 anos, tive a oportunidade de ir morar em Salvador, onde acabei morando em Itapuã. Conheci as praias, a região, os bairros e as homenagens a Vinicíus. Realmente, passei várias tardes e vi o pôr do sol da cidade, é um lugar abençoado.
Os fãs da cantora possuem uma relevância grande na sua carreira. Ela afirma que eles têm uma importância primordial na vida de qualquer artista. São os que aplaudem, indicam e elogiam.
A cantora é dona de um projeto que leva o nome de Beira-Mar, é um show que traz músicas populares, Bossa Nova e Samba, e que agrada o público mais velho. Mari revela que os donos dos bares em Uberlândia diz que ela consegue trazer de volta clientes que não frequentam mais os locais, devido à sua musicalidade.
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Você pode acessar a rede social da cantora:
https://pt-br.facebook.com/marisimoescantora/
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